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Estado mínimo?

“As atuais políticas de segurança pública e a omissão do braço social do Estado nas favelas são expressões de uma mesma lógica. O projeto das UPPs mostra muito bem isso, como parte de um modelo de gestão neoliberal da pobreza. Neoliberal?! Sim. O neoliberalismo produz a ‘ascensão do Estado penal’, ‘em resposta à crescente inseguridade social, e não à insegurança criminal’, diz o sociólogo Loïc Wacquant, autor da já clássica obra Punir os Pobres: o Governo Neoliberal da Inseguridade Social. O ‘neoliberalismo realmente existente’, diz Wacquant, consiste não na redução do Estado (conforme sua propaganda ideológica), mas em sua reengenharia, na ‘construção de um Estado forte capaz de opor-se de modo efetivo à resistência social à mercantilização e de moldar culturalmente subjetividades em conformidade com isso’.

Trata-se, diz ainda o francês radicado nos Estados Unidos, de uma ‘articulação entre Estado, mercado e cidadania, que direciona o primeiro para impor o selo do segundo na terceira’.  O Estado não diminui, mas ganha um novo perfil, ainda mais forte como máquina de estratificação social a serviço da mercantilização. No caso da ‘ocupação’ das favelas, isso fica bastante claro: o projeto das UPPs envolve não apenas o disciplinamento político de uma classe via repressão explícita, mas também uma disputa econômica pelo controle do mercado consumidor e produtivo dos territórios ‘pacificados’. A retórica é de que o controle territorial pelo Estado teria por fim ‘levar serviços básicos’ às favelas, mas o que se tem registrado não é isso.

A disputa pelo controle da economia dos territórios das favelas alcança não apenas a concorrência comercial pela prestação de alguns serviços, mas, de modo bastante central, a ofensiva de inclusão daquelas terras no mercado imobiliário dominado pelas grandes empresas ‘do asfalto’. Não por acaso, tem se registrado alta brutal de preços dos imóveis de favelas ‘pacificadas’, o que tem expulsado a pobreza para áreas mais periféricas do Rio e gerado lucros exorbitantes para o capital imobiliário.”

 João Telésforo, em Regina Casé, a Globo e a Suposta Denúncia da Violência Policial